Por João Geraldo Lopes GonçalvesHá duas semanas que os sentimentos de justiça feita têm tomado corpo deste escrevinhador. Nunca confundi ser justo com ser vingativo. A vingança te leva ao ódio. A justiça te conduz a paz.Minha geração, em 1992, tinha por volta de trinta anos. Tínhamos percorrido, nos anos 70 e 80, lutas terríveis contra a ditadura militar e os esforços para a redemocratização. Era difícil em um quadro de violência política, de uma economia que gerava miséria e fome, ter muitas expectativas de uma vida melhor. 295u19
Muitos de nossos companheiros e companheiros perderam a vida, viram suas famílias se desestruturarem e um futuro incerto. Mesmo com o fim do regime de exceção, as dúvidas ficavam remoendo. 21 anos de autoritarismo deixam heranças e claras marcas.
Conheci casos de militantes que, mesmo com o fim da ditadura, têm pesadelos com seu torturador. Muitos precisam de terapia até os dias de hoje. Além das marcas pessoais, a ditadura produziu um país de ficção. Um tal de milagre econômico que não ou de uma grande mentira, colocando o Brasil na rota da recessão e do arrocho.
A corrupção civil militar, em nome de também um fictício progresso, encheu as burras de governantes, empresários e políticos. Até hoje há perguntas sobre projetos faraônicos que nunca terminaram (Estrada Transamazônica) ou superfaturados, como a ponte Rio Niterói ou usinas hidrelétricas.
Naqueles anos de volta da democracia (entre 1985 e 1989), muita coisa não se tinha conhecimento em virtude de os arquivos do período ditatorial não estarem abertos. A anistia ampla e irrestrita para os ditadores criou as chaves necessárias para nada sabermos, de fato, o que aconteceu.
As dificuldades de enfrentar problemas de um País gigante com um ado nada colocado a limpo eram imensas. Assassinos e depredadores do Brasil permaneciam soltos e gozando de riquezas acumuladas e os privilégios do Estado. Se não fossem documentos como o dossiê “Brasil nunca mais” da Arquidiocese de São Paulo, não saberíamos da sangria causada pela ditadura.
Este quadro levávamos para as urnas em 1989. Depois da derrota popular da emenda Dante de Oliveira em 1984 e a frustração com a Nova República, o aleito de ter finalmente eleições para presidente nos animou e muito. Vivíamos o auge dos movimentos populares e sindical.
Tínhamos criado um partido político que, até então, se diferenciava dos partidos do Sim e do Sim, senhor. Surgia neste ímpeto uma Central Sindical desatrelada dos patrões e dezenas de movimentos específicos. Era uma atmosfera de muita luta, de vencer tabus e legados de 21 anos de obscurantismo. Preparávamo-nos para um pleito eleitoral, onde a polarização “democratas” e “viúvas da ditadura” estaria no centro da disputa.
Porém, vimos uma enxurrada de candidaturas que dividiam numericamente blocos definidos. E seria a primeira vez que teríamos um segundo turno. Dos nomes colocados, a surpresa era o tal “caçador de marajás”, vindo de Alagoas.
As primeiras pesquisas colocavam um Collor em uma posição longe das primeiras colocações. Lula e Brizola pelas esquerdas e Mario Covas pelo centro social-democrata despontavam nos primeiros dias. Mas a campanha na TV começa a surpreender. Collor de Melo aparece como um salvador do povo da corrupção e, claro, dos marajás.
Discursos moralistas (falso) e agressivos têm repercussão em outras mídias. Os jornalões e redes de TV, como a Globo, abraçam o jovem político. Escondem a íntima relação de Fernando e sua família com a ditadura. As benesses das concessões de emissoras de radio e TV, transformando o caçador em um poderoso dono de mídia. Esconderam também o fato de Fernando ter sido prefeito biônico nomeado pelos militares em Maceió.
E assim, de um simples azarão, Collor começa a frequentar a ponta da tabela. No fim do primeiro turno, Collor, em primeiro, enfrentaria Lula. A polarização que aguardávamos. Era a chance de desmascarar o suposto caçador de marajás. A campanha “collorida” se aproveitou da queda do muro de Berlim para seus ataques. O lance “se Lula fosse eleito, a classe média teria que dividir seu apartamento com um sem-terra ou sem teto” pegou.
Outras barbaridades, como o comunismo vai voltar, tomaram conta das agressões. Ataques à família e a vida de Lula foram desferidos com o apoio ir de Globo e outros meios de comunicação. Mas a espada fincada para derrotar as esquerdas e os democratas vêm na famosa edição do Jornal Nacional na véspera do segundo turno.
Fernando Collor vence e toma posse. Se as expectativas a seu governo eram altas, já nos primeiros dias caem por terra. O confisco da poupança dos pobres e da classe média faz com que o Governo Collorido comece a despencar. Em 1992, o famigerado caçador de marajás se apresenta nu e como um verdadeiro marajá.
A luta por seu impedimento foi massiva e nocauteou o governo e seus aliados. Collor renunciou antes do fim de processo de impeachment. Foi processado, mas nunca condenado por aqueles crimes. Até chegar agora em 2025.
O Supremo Tribunal Federal decidiu prender Fernando Collor a oito anos e dez meses de prisão por corrupção iva e lavagem de dinheiro.
Penso que a Justiça está sendo feita.
Belchior: versos de um latino-americano 5b5l2k
Quarta-Feira, dia 30 de abril, fez oito anos que Belchior nos deixou. Tentamos fazer uns versos utilizando de trechos de suas canções. Bel é, para nós, um ser que nunca será esquecido.
Frase: Presentemente, eu posso me considerar um sujeito de sorte.
VIVA BELCHIOR
I
Eu estou muito cansado
Sem dinheiro no banco
Dentro do carro a 100 PH
Quando eu ganhava este mundo de meu Deus
II
Tenho vinte e cinco anos
E que algum tempo era jovem
Viver é melhor que sonhar
Eu ainda sou bem moço
III
Tudo poderia ter mudado sim
O que é que eu posso fazer
Fico com medo de avião
E nunca fazer o que o mestre mandar
IV
Ouvi num papo de rapaziada
Jovem que desce do norte pra cidade grande
Os humilhados do parque com seus jornais
Eu tenho medo de que chegue a hora
V
Era um cidadão comum como esses que se vê na rua
Como se fosse um homem livre
Sonho e escrevo em letras grandes de novo.
Meu céu é pleno de paz.
Abaixo, uma playlist com as músicas aqui utilizadas:
https://open.spotify.com/playlist/3s7vCNg8J68kVLDLBUteYQ?si=eb4ef5630f1b48c2 .
Sem anistia, cadeia para golpistas.
Um bom final de semana a todas, todos e todes.
João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
Deixe uma resposta Cancel Reply qm29